Velharias - Parte 3

quinta-feira, 26 de setembro de 2013


O relicário... aquele que nem foi preciso procurar, se apresentava diante de meus olhos e pensamentos antes de todos as outras coisas... me encantou à primeira vista, era uma linda caixa de prata envelhecida, de mais ou menos um palmo de largura e quatro dedos de altura, toda trabalhada, em segundos pude notar um desenho de algo que seria uma ventania, e em meio à isso, flores de diferentes espécies, alguns mini pássaros voando por aqui e por ali. Era como um mini jardim, e, encima estava o céu, com sol, lua, e muitas pequeninas estrelas... Das pequenas árvores desenhadas as folhas caíam, o sol ardia, flocos de neve vinham daquele céu, e as flores enchiam o local com suas borboletas a rondar...  Interessante, vi as quatro estações misturadas em um único desenho. Peguei a caixa na mão com muito cuidado, então senti meus pés se molharem de uma água fria que gelou a ponto de doer, depois ficou morna e depois esquentou a ponto de queimar... Veio um vento agradável, depois esfriou de forma que me deixou batendo os queixos, depois veio um vapor gostoso que fez o frio passar, mas esquentou a ponto de me fazer suar, por mim passaram folhas e flores que se engancharam em meu cabelo, senti seu perfume, e ouvi pássaros sentindo o bater de asas ao lado de minhas orelhas, tudo isso juntamente à todas aquelas sensações... estava quase a ponto de surtar e deixar cair o relicário, quando tudo passou, acho que, era meu teste... Interessante, ao toque pude sentir as quatro estações separadas e misturadas em mim mesma, e, percebi que eu às sou, às faço, às represento...Resolvi que já era tempo de abrir a caixa e levantei a tampa que rangia, vagarosamente, então, reinou o silencio, era como um vácuo, senti o ar ser sugado, e, tudo parou, eu parei, o tempo parou... No relicário estava tudo guardado: lá cabia a paz, ele encolheu até não caber mais, com tantas guerras, violência e tanta maldade na mente humana, a paz ficou mínima... No relicário havia amor: um homem o roubou na calada da noite, enfiou no seu bolso sujo e foi embora sabe-se lá para onde...  No relicário descansava a felicidade: ela estava muito bem guardada a sete chaves, todas as fechaduras foram quebradas, as portas despedaçadas e, despiram-na sem dó... No relicário as lembranças habitavam e circulavam, lá elas eram boas, então, jogaram uma maldição e tudo virou fumaça...  O relicário caiu em esquecimento no fundo desse guarda roupa velho e, até pouco tempo atrás, sabia-se lá onde ele estava, até que tive um sonho, e, essa se tornou minha lenda pessoal, deu trabalho, mas cheguei lá, e, minha missão era restaurar tudo que foi diminuído, roubado, perdido, amaldiçoado, destruído, maltratado...

Então paro para pensar, de que adianta?Salva-se a carcaça (uma caixa de prata velha que range) mas a alma está ferida: falta paz para preencher, o amor foi roubado, a felicidade foi invadida e violentada, as lembranças boas não existem mais –  e porque eu me arriscaria a resgatar o que parece não ter volta?Fui acordada, e fiquei aliviada com o sol brilhando e o cheiro de almoço na casa dos vizinhos...

Acho que eu deveria ter ido parar num sonho alheio, escolhido ficar perdida no reino das águas, mas, passou, e o que passou não volta mais...



Natália Vieira Costa


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