... é como avistar um cais, o mais atrativo dentre os existentes... atracar num porto que parece seguro... guardar as belas velas que te fizeram navegar... lançar âncoras... expulsar todos os sentimentos que te resguardavam da embarcação... descer... perceber que a areia sob seus pés ... não é areia, mas, lama... escorregar aqui e acolá... braços suspensos pra ajudar no equilíbrio... saltinhos em várias direções, com o peso do corpo bem distribuído, só pra testar o equilíbrio do palhaço... e coragem, pra confiar que o sol vai secar aquele pântano, que de longe, parecia tão belo quão um campo florido... ... e por ali tentar viver .... sobreviver...
... o pântano é úmido e frio, quase nunca te aquece... oferece maravilhas de descobertas, mas, também agracia com raízes profundas e pestilentas, que te agarram pelos pés, parece até que querem te ajudar a se manter erguido em meio àquele lodo... ou pode ser que te queiram sugar pra mais fundo na lama? ... por este norte, o céu é quase sempre em tons de cinza... a neblina para de cair... por raras vezes... e as árvores são embrenhadas, num emaranhado de pesar... bem no alto, numa copa ou outra, é possível ver alguma bela e colorida pétala... mas ao tentar se agarrar àquele vislumbre de alegria... triste é perceber, que estar próximo não é estar junto.. e que algumas cores são inalcançáveis... e ao escalar, subir, subir, subir... perceber que por lá, o céu só é mais negro, e que a tal centelha de cor não se passava de mera ilusão, porque eu, você, nós... queremos acreditar que em algum local por ali existe vida, e que a mesma pode se unir à sua... ... você se alimenta do que vem à tona, às vezes em abundância, outrora em escassez..
....mas a sede, a fome, o frio, a carência, a dor, o medo te fazem ver... que é hora de navegar novamente... se jogar ao mar... e então, é hora de sair... aos trancos, com um pedaço de pau servindo de muleta, mancando após tantos escorregões e pancadas que a vida no pântano te proporcionou... demoram dias de caminhada e sufoco até atingir a costa, e perceber o quão emaranhado estava naquilo tudo, a profundidade de sua aventura, que te custou sangue e suor... e sentir as lágrimas rolarem soltas, como as gotas caem das folhas durante a chuva... sua embarcação destroçada na lama, pedaços de madeira podre por toda a extensão, coberta de musgo e raízes lodosas... suas velas desgastadas em meio a poças de água suja... o porto em si, nem mais existe, perdeu por completo a exuberância... e se enxergar preso é doloroso... se tivesse saído antes, sua forte embarcação não estaria destruída, e seus sentidos não presenciariam tal ruína... sem saída... como navegar? como partir? suas forças se esvaindo... a escuridão daquele local te sugando... e seu corpo perde o equilíbrio, os braços suspensos no ar desistem de tentar se segurar em algo... e suas pernas vão lentamente afundando, na terra preta, na lama grossa... e o frio adentrando vagarosamente cara poro, cada célula, te corroendo lentamente... ... afundando... seu martírio por ter expulsado os gloriosos sentimentos que te resguardavam, a tão amada desconfiança que te manteve vivo até àquele dia... ... ... ...
Natália Vieira



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